Introdução a genética.

27/02/2013 10:05

 

ORIGENS DA GENÉTICA

Um dos pontos fundamentais para o desenvolvimento da Genética foi a constatação de que um novo ser se origina a partir da fusão de duas células.
Genética é a área da Biologia que estuda a herança biológica, ou hereditariedade, que é a transmissão de características de pais para filhos, ao longo das gerações. Apesar de a herança biológica desafiar a curiosidade das pessoas desde a pré-história, a Genética desenvolveu-se de maneira expressiva apenas no século XX.
As primeiras ideias sobre hereditariedade eram provenientes do senso comum. Por exemplo, a partir da observação de que os filhos se assemelham aos pais, surgiu a idéia de selecionar, em plantas e animais, características de interesse pela escolha dos reprodutores que as apresentam. Esse conhecimento permitiu à humanidade produzir diversas variedades de animais e plantas domésticos, com características selecionadas para atender às nossas necessidades.



Os filósofos gregos e a hereditariedade

Os filósofos da antiga Grécia divergiam quanto às explicações para a hereditariedade. Alcmeon de Crotona, um discípulo de Pitágoras de Samos que viveu por volta de 500 a.C., acreditava que homens e mulheres tinham sêmen e que este se originava no cérebro; segundo ele, o sexo das crianças era determinado pela preponderância do sêmen de um dos pais, ocorrendo hermafroditismo se os dois estivessem em igual proporção. Segundo Empédocles de Acragas (492-432 a.C.), o calor do útero era decisivo na determinação do sexo dos bebês: útero quente produziria homens; útero frio, mulheres. Anaxágoras de Clazomene (500-428 a.C.) postulava que o sêmen ocorria apenas no homem e continha um protótipo de cada órgão do futuro ser; as fêmeas atuariam apenas como receptoras e nutridoras do ser pré-formado. Ele propôs também o que ficou conhecido como "teoria direita e esquerda", segundo a qual os meninos eram gerados no lado direito do corpo e as meninas, no lado esquerdo.
As ideias dos filósofos da Grécia antiga, principalmente as de Hipócrates e Aristóteles, exerceram forte influência sobre o pensamento ocidental a partir do Renascimento, período de mudanças radicais na cultura europeia entre os séculos XIV e XVI, que marcou o fim da Idade Média e criou condições para o surgimento da ciência.

A pangênese de Hipócrates

Uma das primeiras hipóteses consistentes sobre herança biológica foi proposta por Hipócrates de Cos (460-370 a.C.), filósofo grego que ficou conhecido como o "pai" da Medicina. Segundo a hipótese de Hipócrates, denominada pangênese, cada órgão ou parte do corpo de um organismo vivo produzia partículas hereditárias chamadas de gêmulas, que eram transmitidas aos descendentes no momento da concepção. As gêmulas migravam para o sêmen do macho e da fêmea, sendo passadas para os filhos. Como o novo ser era elaborado a partir das gêmulas recebidas dos genitores, isso explicava as semelhanças entre pais e filhos.
A pangênese permitia explicar a herança de características adquiridas, crença que perdurou até o século XIX, tendo entre seus adeptos Jean-Baptiste Lamarck e o próprio Charles Darwin. Ao investigar a questão da hereditariedade, no século XIX, Darwin chegou à mesma conclusão que Hipócrates, adotando a teoria da pangênese e admitindo a herança de características adquiridas, o que mais tarde trouxe críticas à sua teoria da evolução.


Ideias de Aristóteles sobre hereditariedade

Aproximadamente um século depois de Hipócrates, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) escreveu um tratado sobre o desenvolvimento e a hereditariedade dos animais. Nesse livro, intitulado De generatione animalium (Geração dos animais), ele distinguiu quatro tipos de geração: a) abiogênese (ou geração espontânea); b) brotamento (reprodução por formação de brotos); c) reprodução sexuada sem cópula; d) reprodução sexuada com cópula. Sobre a reprodução sexuada, Aristóteles acreditava que resultava de uma contribuição diferencial dos sexos: a fêmea fornecia a "matéria" básica que constituía e nutria o ser em formação, enquanto o macho fornecia, por meio do sêmen, a "essência", transmitindo-lhe a alma, fonte da forma e do movimento. Se o desenvolvimento do feto fosse normal, a forma paterna prevaleceria, ou seja, o novo ser seria semelhante ao pai. Se houvesse uma falha, o feto seria parecido com a mãe. Falhas maiores fariam prevalecer características dos avós e, sucessivamente, de ancestrais mais distantes, até o limite de ser gerado um ser inumano, um monstro.
Em seus escritos, Aristóteles fez diversas críticas à pangênese de Hipócrates. A partir da observação de que as semelhanças entre pais e filhos não se restringem à estrutura corporal, mas podem abranger outras características como voz, jeito de andar e até mesmo comportamentos, Aristóteles questionava: como características não estruturais produziriam gêmulas? Além disso, filhos de pais com cabelos e barbas grisalhos não são grisalhos ao nascer; filhos de homens que na meia-idade se tomarão calvos podem herdar a calvície precoce, mesmo quando nascem antes de o pai se tornar calvo. Sabia-se, também, que às vezes os indivíduos herdavam características presentes em ancestrais remotos e ausentes nos pais; se as características não estão presentes nos pais, como seriam produzidas gêmulas para elas? Esses e outros argumentos levaram Aristóteles a rejeitar a pangênese.
Da época de Aristóteles até o final do século XIX ocorreram poucos avanços nas ideias sobre a hereditariedade. Para explicar o fenômeno da herança biológica era preciso conhecer os princípios básicos da reprodução dos seres vivos, o que só ocorreu na segunda metade do século XIX. Até então, a maioria dos naturalistas ainda acreditava em geração espontânea.


As bases da hereditariedade

Primeiras ideias sobre fertilização
Uma contribuição importante para o conhecimento da herança biológica veio do médico inglês William Harvey (1578-1657). Ele propôs que todo animal se origina de um ovo, ideia que expressou por meio da frase em latim ex ovo omni. Harvey acreditava que o ovo produzido pela fêmea necessitava ser fertilizado pelo sêmen do macho para originar um novo ser. Essa idéia foi importante porque se opunha à idéia de geração espontânea, largamente difundida na época. Harvey apresentou duas possibilidades para o desenvolvimento do ovo após sua fertilização pelo sêmen: a) todo o material para produzir um novo ser já estaria presente no ovo fertilizado, tendo apenas de ser moldado; b) o material que constituiria o novo ser teria de ser produzido à medida que o desenvolvimento fosse ocorrendo, ao mesmo tempo em que moldava o novo organismo. Outra contribuição importante do século XVII foi a do botânico inglês Nehemia Grew (1641-1711), que sugeriu ser o grão de pólen o elemento masculino na reprodução das plantas com flores.


A teoria da pré-formação

No século XVIII, os defensores das idéias originais de Harvey dedicaram-se a explicar como um ovo fertilizado podia desenvolver um novo ser. Havia, então, duas correntes de explicação. Uma delas, conhecida como teoria da pré-formação, ou pré-formismo, afirmava que havia um ser pré-formado no ovo; o desenvolvimento consistia apenas no crescimento. Outra corrente admitia que o ovo fertilizado continha um material inicialmente amorfo, mas com potencial para originar um novo ser; este iria estruturando-se e diferenciando-se ao longo do desenvolvimento. Essa idéia ficou conhecida como teoria da epigênese, ou epigenética.


A descoberta dos gametas

Um dos pontos fundamentais para o desenvolvimento da Genética foi a constatação de que um novo ser se origina a partir da fusão de duas células, os gametas feminino e masculino. As leis da herança biológica só puderam ser formuladas após a compreensão do papel dos gametas e da fecundação na reprodução dos seres vivos, fato que só veio a ocorrer na segunda metade do século XIX.


A descoberta dos espermatozóides

Em 1667, o microscopista holandês Antonie van Leeuwenhoek descobriu que o sêmen expelido pelos machos contém enorme quantidade de criaturas microscópicas, os espermatozóides, dotados de longas caudas e que se movimentam intensa e continuamente. Ele imaginou que os espermatozóides estavam relacionados com a reprodução, e que no interior de cada um deles havia um ser pré-formado em miniatura.



Ilustração realizada em 1694 por um espermista, adepto a teoria do homúnculo, segundo a qual havia um minúsculo ser pré-formado na cabeça de cada espermatozóide.

A descoberta do óvulo

A produção de ovos por fêmeas de certos animais ovíparos é conhecida há muito tempo; peixes, anfíbios, insetos, répteis e aves apresentam ovos grandes, visíveis a olho nu. A descoberta dos ovos de animais vivíparos como os mamíferos, porém, só ocorreu a partir da segunda metade do século XVII, quando o médico holandês Regnier de Graaf (1641-1673) relacionou os inchaços (folículos) observados nos ovários de fêmeas de mamíferos com a formação de elementos reprodutivos. Em 1828, o naturalista alemão Karl Ernst von Baer (1792-1876) descobriu, no interior de cada folículo ovariano descrito por Graaf, um óvulo.


Teoria Cromossômica

No início do século XX, com os avanços da microscopia, os cromossomos e outras estruturas celulares já haviam sido observados. A mitose e a meiose, inclusive, já haviam sido descritas. Em 1902, Boveri e Sutton expuseram o comportamento dos cromossomos nas divisões celulares, comparando-o ao mecanismo hereditário descrito nos experimentos mendelianos.
Em 1910, Morgan e outros pesquisadores, realizando experiências com a mosca Drosophila melanogaster, ratificaram as observações feitas anteriormente por Boveri e Sutton e apresentaram a teoria cromossômica, afirmando que "os genes estão localizados nos cromossomos".
Em suas experiências, os biólogos utilizam diversas espécies de animais e plantas. Um exemplo é a pequenina mosca Drosophila melanogaster, que produz uma nova geração a cada duas semanas. A fêmea desse inseto põe centenas de ovos, originando grande número de descendentes. A reprodução pode ser feita em pequenos vidros, desses usados em conservas de alimentos, como faziam Morgan e seus colaboradores na "sala das moscas" da Universidade de Colúmbia, nos EUA.
As experiências de Morgan e seus colaboradores evidenciaram a localização dos genes nos cromossomos, impulsionando o estudo da Genética.
Desde então, muitos genes começaram a ser localizados e estudados por intermédio dos resultados de cruzamentos experimentais, dando, assim, início ao estudo da Genética moderna.