John Locke, um explorador do entendimento humano.

29/12/2012 23:05

    A influência do inglês John Locke (1632-1704) costuma ser separada em três grandes áreas. Na política, ele foi o pai do liberalismo como o conhecemos hoje: é o autor de dois tratados de governo que sustentaram a implantação da monarquia parlamentarista na Inglaterra, inspiraram a Constituição dos Estados Unidos e anteciparam as idéias dos iluministas franceses. Na filosofia, construiu uma teoria do conhecimento inovadora, que investigou o modo como a mente capta e traduz o mundo exterior. Na educação, compilou uma série de preceitos sobre aprendizado e desenvolvimento, com base em sua experiência de médico e preceptor, que teve grande repercussão nas classes emergentes de seu tempo. 

    Mas essas três vertentes não são estanques. A grande e duradoura importância de Locke para a história do pensamento está no entrecruzamento de suas áreas de estudo. Assim, a defesa da liberdade individual, que ocupa lugar central na doutrina política lockiana, encontra correspondência na prioridade que ele confere, no campo da educação, ao desenvolvimento de um pensamento próprio pela criança. 


E suas investigações sobre o conhecimento o levaram a conceber um aprendizado coerente com sua mais famosa afirmação: a mente humana é tabula rasa, expressão latina análoga à idéia de uma tela em branco. "A razão, inicialmente, encontra-se apenas em potência na criança", diz Clenio Lago, da Universidade do Oeste de Santa Catarina.

John Locke. Foto: Getty Images

 

Treino para a razão 

É por isso que, para Locke, o aprendizado depende primordialmente das informações e vivências às quais a criança é submetida e que ela absorve de modo relativamente previsível e passivo. É, portanto, um aprendizado de fora para dentro, ao contrário do que defenderam alguns pensadores de linha idealista, como o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), e a maioria dos teóricos da educação contemporâneos. 

"A concepção construtivista, por exemplo, institui-se com base na relação entre sujeito e objeto, enquanto a visão lockiana enfatiza apenas o objeto", explica Lago. Embora considerasse que a origem de todas as idéias estava fora do indivíduo, Locke via a capacidade de entendimento como inata e variável de pessoa para pessoa.

Os dois fundamentos iniciais de sua obra mais importante, Ensaio sobre o Entendimento Humano, são a negação da existência de idéias inatas - o que contrariava o legado do filósofo mais influente da época, o francês René Descartes (1596-1650) - e o princípio de que todas as idéias nascem da experiência, refundando, na ciência moderna, o empirismo. Ao combater o inatismo, Locke se opunha às correntes de pensamento que encontravam no ser humano a idéia natural de Deus e noções de moral ou bondade intrínsecas. Tudo isso seria atingido apenas pela razão. Os princípios morais derivariam de considerações a respeito do que é vantajoso para o indivíduo e para a coletividade. 

A educação ganhava, desse modo, importância incontornável na formação da criança, uma vez que, sozinha, ela se encontra desprovida de matéria-prima para o raciocínio e sem orientação para adquiri-lo, estando fadada ao egocentrismo e à ignorância moral. 

Apesar do valor que dava à racionalidade, Locke era cético quanto ao alcance da compreensão da mente. O objetivo de sua obra principal foi tentar determinar quais são os mecanismos e os limites da capacidade de apreensão do mundo pelo homem. Segundo o filósofo, como todo conhecimento advém, em última instância, dos sentidos, só se pode captar as coisas e os fenômenos em sua superfície, sendo impossível chegar a suas causas primordiais. Do material fornecido pelos sentidos nasceriam as idéias simples que, combinadas, formariam as mais complexas. O conhecimento não passaria de "concordância ou discordância entre as idéias". 

Para Locke, as crianças não são dotadas de motivação natural para o aprendizado. É necessário oferecer o conhecimento a elas de modo convidativo - mediante jogos, por exemplo. E, embora desse primazia teórica às sensações, não via nelas função didática: educar com prêmios e punições (para provocar prazer e mal-estar) seria manter os pequenos no estágio mais primário do entendimento humano. Levá-los a pensar faria com que rompessem a dependência dos sentidos. Embora não descartasse a possibilidade de castigos, inclusive corporais, Locke afirmava que seu uso poderia fazer com que as crianças se tornassem adultos frágeis e medrosos. 

Fonte: Revista nova escola, acesso em 29/12/12.