O banco verde.

21/01/2013 20:20

 

O banco verde

Publicado em 21/01/2013

Belas imagens de sementes de todo o mundo chamam atenção para um projeto de preservação ambiental ambicioso baseado em parcerias internacionais, inclusive com o Brasil.

O banco verde

Imagens revelam a biodiversidade preservada no Banco de Sementes do Milênio, iniciativa que pretende, até 2020, proteger 25% de todas as plantas que produzem semente do mundo. (imagem do livro 'Time Capsules of Life'/ Papadakis Publisher)

Um banco para guardar boa parte das riquezas do mundo. No qual só se pode fazer depósitos, que são para a vida toda. Transferências, só de conhecimento e tecnologia, e, no lugar de cheques e cartões, sementes de plantas. Longe de ser uma invenção de economistas europeus para sair da crise, o Banco de Sementes do Milênio (MSB, na sigla em inglês) é um projeto sediado nos Jardins Botânicos Reais Kew, em Londres, que busca reunir e preservar as sementes de todas as plantas do mundo, com base numa rede de parcerias com projetos nacionais de conservação.

Desde 2000 dedicando-se a catalogar a flora mundial, o acervo do MSB constitui-se na maior e mais diversa coleção do tipo no mundo. É o que conta Michael Way, ecologista do Kew. “Hoje, conservamos cerca de 10% das mais de 300 mil espécies de plantas que produzem sementes e nossa meta é atingir, até 2020, um acervo com 25% das sementes mundiais preservadas”, conta.

No banco, é possível encontrar sementes dos mais variados tipos e tamanhos, exaladas aos milhões, como no caso das orquídeas, ou solitárias filhas únicas, como aafrodisíaca semente de Seychelles nut. A iniciativa se transformou em livro pelas mãos do artista Rob Kesseler, da Universidade das Artes de Londres, e do morfologista Wolfgang Stuppy, do MSB. Seeds: Time Capsules of Life, publicação de 2006 cujas fotos ilustram este post, ganhou há pouco uma nova edição, além de uma versão em espanhol – infelizmente, não há previsão de lançamento em português.

A ideia é usar a beleza para atrair leitores, como as plantas que atraem insetos

Os registros detalhados foram produzidos com um microscópio eletrônico de varredura e Kesseler deu uma ‘mãozinha’ à mãe natureza no resultado final, colorindo as imagens a partir da palheta de cores das folhas, flores e frutos das plantas. A ideia, segundo ele, é usar a beleza para atrair leitores, como as plantas que atraem insetos. Stuppy completa: “Nossa abordagem pouco convencional visa atingir em especial aqueles que não costumam ser tocados por essa questão, mostrar como esse patrimônio é importante.” A parceria entre os dois também gerou outros livros com registros únicos da natureza, como: The Bizarre and Incredible World of Plants e Fruit. Edible, Inedible, Incredible.
 

Um banco por natureza

Mas um banco não vive só de arte, tem que gerar dividendos de longo prazo: no caso do MSB, capital científico na forma, por exemplo, de conhecimentos sobre morfologia, ecologia e biologia molecular das sementes. Afinal, para preservar cada amostra, é preciso entender a melhor forma de armazenamento, a frequência com que pode ser utilizada em testes, as condições ideais para sua germinação, entre outros aspectos.

Sementes do MSB
Imagens produzidas com microscópios eletrônicos e coloridas a partir das cores das folhas, frutos e flores das plantas. Elas estão no livro 'Time Capsules of Life', da Papadakis Publisher.

Então, nada de números, certo? Bem, por mais paradoxal que pareça, os próprios pesquisadores trabalham, desde o fim de 2012, na avaliação financeira desse conhecimento inestimável. Segundo Way, a iniciativa visa mostrar as vantagens da preservação e é similar à do estudo TEEB, que determina valores monetários para a perda do capital natural e compara-os aos custos reais de ações de preservação.  

Por fim, resta destacar que o trabalho e as metas ambiciosas que marcam o MSB não seriam possíveis sem um ‘mercado internacional’: uma grande rede de parceiros espalhados pelo mundo. A iniciativa atua junto a instituições de todos os continentes na criação de novas coleções, realização de pesquisas e catalogação de espécies, que são espelhadas localmente e no MSB. “Para atingirmos nosso objetivo em 2020, é necessária uma ampla colaboração internacional, um esforço integrado e contínuo de estímulo a projetos de conservação por todo o mundo”, explica Way.


O Brasil, a Embrapa e a biopirataria

Do Brasil, o MSB conta com muitas espécies da caatinga e do cerrado, frutos da parceria do jardim botânico britânico com a Embrapa nas décadas de 1980 e 1990. Mas, desde o início dos anos 2000, com a polêmica medida provisória 2.186-16, que trata da biopirataria e estabeleceu restrições à transferência de material biológico do país, a interação ficou mais complicada. “A medida foi um divisor de águas para o estudo dos nossos recursos genéticos, pois criou um ambiente de insegurança jurídica que reduziu as atividades de pesquisa e intercâmbio voltados à preservação da biodiversidade”, avalia o agrônomo brasileiro Juliano Pádua, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).  

Desde 2001, a polêmica medida provisória 2.186-16, que trata da biopirataria, tornou mais complicada a transferência de material biológico, mesmo para preservação

Mesmo com as dificuldades, Pádua acredita que o entendimento da necessidade de preservar o patrimônio genético das nossas plantas – e de nossos animais – tem crescido no país. “De acordo com suas características, os bancos de germoplasma podem ser importantes para a pesquisa, em especial genéticas, além de servirem como repositórios de longo prazo para preservar a variabilidade gênica das espécies”, explica. “Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o país possui 383 bancos, além da sétima maior coleção de sementes do mundo, a Coleção de Base da Embrapa (Colbase), com cerca de 120 mil amostras de quase 700 espécies, a única capaz de conservar esse tipo de material por longo prazo no país”, afirma.

Colbase Embrapa
A Colbase, mantida pela Embrapa, é o único banco brasileiro capaz de preservar por longo prazo o material genético de nossa flora na forma de sementes. (foto: Claudio Bezerra/ Embrapa)

A coleção brasileira, que tem como foco espécies ligadas à agricultura, reflete uma característica do setor no país: “Apesar de biodiverso, o Brasil é dependente de espécies exóticas na alimentação, por isso a Colbase tem mais sementes de plantas estrangeiras do que nativas”, pondera Pádua.

Em 2011, a Embrapa firmou nova parceria com o Kew para cooperação científica e tecnológica na geração de conhecimento, qualificação dos bancos da América Latina, conservação da biodiversidade e promoção da agricultura sustentável. A iniciativa deu origem a dois cursos destinados a pesquisadores brasileiros e de toda a região. A instituição britânica também mantém parcerias com outros centros brasileiros, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Cofre do fim do mundo
Outra iniciativa de preservação de sementes – que está mais para uma caixa-forte do que para um banco – é a Svalbard Global Seed Vault. Apelidada de o "cofre do fim do mundo", a proposta do projeto, lançado em 2008, é preservar a fauna do planeta no caso de algum evento cataclísmico que coloque em risco a vida na Terra. Construída na remota ilha de Svalbard, na Noruega, a caixa-forte de sementes é fruto de uma parceria entre o governo norueguês e a Organização das Nações Unidas (ONU) e possui capacidade para armazenar cerca de 2,25 bilhões de sementes, quando completa. Confira algumas outras iniciativas de preservação de sementes pelo mundo.


Marcelo Garcia

Ciência Hoje on-line.

Acesso em 21/01/13